sábado, março 03, 2007

O último verso de Tábata

Na sacada, via-se a chuva
Precipitar-se como um ósculo frenético, de uma meretriz do cais do porto.
Caindo pela cidade estranhamente cândida e taciturna.
Nem mesmo a brandura estranha a fez desviar o olhar... Olhava o mar, as nuvens, as coisas como estavam e como deveriam para sempre estar... Naquela afabilidade lúgubre.
Olhava a orla e o calçadão, olhava as pessoas, trôpegas e agitadas, procurando um bom lugar para se esconder da torrente que caia do céu.
O vento acariciava suas têmporas e penteava seus cabelos... O sudoeste, seu amante momentâneo.
Ficou de pé, na sacada. A dor já não era tão possante, os olhos já não eram carmesins.
Abriu os braços,como se quisesse que o sudoeste a suspendesse nos ares,jogou a face para trás, como se quisesse ver o céu... Como uma marionete que cai das mãos do dono, largou o sustentáculo assim como um suicida abre mão da vida...
Sentiu o vento correr forte em seus ouvidos, e lhe cantar uma melodia súbita.
Sentiu a vida ser-lhe arrancada, com um golpe frio e um som oco...
Sentiu uma leveza, um comichão forte, um gozo inexplicável...
Olhou pra traz e viu que só tinha 16 anos, e que seus olhos ainda tinham a cor carmesim, e que a dor agora era mais possante do que nunca...

“Os últimos versos nunca foram escritos
Foram deixados em uma cômoda ao lado da cama
Eram lindos, os versos de Tábata
Falavam de uma tristeza sufocante
De uma melancolia aterradora
A vida já era um inferno tão frio
De perdas e danos irreparáveis
De fins que nunca se justificavam
De atrocidades que nunca eram reprimidas
De um mundo que não tinha conserto
De uma esperança falsa que havia morrido
Os versos de Tábata eram lindos e verdadeiros
Tristes como toda verdade dita em um dia chuvoso”


Gabriel Gomes Ferrão